Analisando e comentando o existencialismo por Jean Paul Sartre:
Olá, queridos leitores! Inaugurando nossas postagens de autores, fichamentos e filosofia trazemos uma abordagem simples e direta do existencialismo. Nossa dinâmica funcionará da seguinte forma: teremos uma abordagem expositiva dos principais conceitos e fundamentos com o apoio de fragmentos da obra. Sabendo que a lei de direitos autorais permite apenas a utilização de 10% de toda obra, seremos mais seletivos com os fragmentos de apoio. As referências da obra utilizada estão no final de nosso texto. Vamos recorrer a edição de bolso, lançada em janeiro de 2014 pela editora Vozes de Bolso, para saber mais e adquirir a obra clique aqui.
Em princípio, antes da análise de sua obra, começaremos com uma breve introdução de quem foi o maior nome dessa corrente de pensamento: Jean Paul Sartre, que aparece em uma fotografia acima. Nosso autor nasceu no ano de 1905 em Paris, na França. Ao decorrer de sua criação teve uma boa educação que lhe proporcionou um contato interessante com a literatura desde cedo. Na vastidão de suas obras e produções encontramos romances, contos, tratados filosóficos e até mesmo novelas. Nesse viés, podemos citar: o ser e o nada (1943), a náusea (1938), o existencialismo é um humanismo (1946), entre tantos outros. Sartre é uma figura muito culta e intelectual, diga-se de passagem. Agora, em posse de uma situação básica de quem seja nosso filósofo de estudo, podemos adentrar em sua literatura e principais ideias.
Em meados do século XX, o existencialismo estava em moda. Sim, uma corrente de pensamento na moda! Porém, com um sentido popularmente negativo ocasionado por uma compreensão superficial do pensamento, segundo Sartre. Não podemos afirmar que o existencialismo tenha todo aquele adorno romancista, isso é fato. É uma forma de ver e pensar o mundo mais "direta" e que toca nas feridas do ser humano. Nesse sentido, muitas pessoas atribuem as características do realismo e naturalismo para essa doutrina, a saber: visão de mundo pessimista, apego a objetividade, determinismo etc. Nosso filósofo chega a argumentar e exemplificar casos em que as pessoas elogiavam o realismo/naturalismo como algo belo, mas que ao falar sobre existencialismo existia um certo incômodo, pois era encarado como uma maneira de ser e pensar "feia" e até mesmo "imoral".
Proferir "eu sou existencialista" recebeu uma conotação equivalente a "eu sou pessimista" e outras significações pejorativas para a sociedade daquele tempo. Toda essa questão supra-mencionada foi intensificada graças à um fenômeno midiático de grande escala. O objeto de nosso estudo entra aqui. Sartre decide aceitar dar uma conferência para esclarecer as ideias de sua doutrina e evitar mais distorções. Essa conferência inédita atraiu muitos curiosos, críticos, opositores e amantes do saber e da filosofia. Dessa iniciativa, um ano depois, nasce o livro "O existencialismo é um humanismo" baseado nessa palestra da referida conferência. E aqui, nesse momento, nos cabe atestar a força motriz de toda essa produção, pelas palavras do próprio Sartre:
"Eu gostaria, aqui, de defender o existencialismo de algumas acusações que lhe têm sido dirigidas. Primeiramente, acusaram-no de estimular as pessoas a permanecerem em certo quietismo desesperançado. [...] Por outro lado, acusaram-nos de acentuar a ignomínia humana, de expor aos quatro ventos o sórdido, o suspeito, o viscoso, e de negligenciar certas coisas alegres, o lado mais luminoso da natureza humana[...]" (SARTRE, 2014, p. 15).
Em seguida, nosso pensador argumenta que o existencialismo representa o inverso do que pensam. Na realidade, não revela o lado mais sombrio da humanidade ou fica preso em alguma forma de quietismo, mas sim apresenta uma possibilidade de escolha para a realidade e a vida humana. E essa possibilidade de escolha amedrontava. Nesse viés, o que significa "existencialismo"? Sartre revela que as pessoas pouco sabem sobre o termo, pois a partir do momento que entrou em moda e começou a popularizar perdeu-se o significado principal e tomou conotações totalmente diferentes, como vimos até o momento. Em síntese, é algo extremamente simples. Ser existencialista significa, em parte, acreditar veemente que "A existência precede a essência". Simples, não? Mas o que ele realmente quer dizer com isso? Essa simples afirmação leva a consequências grandiosas, diga-se de passagem.
Sem dúvida, a partir de uma reflexão simples sobre a afirmação, podemos concluir que tudo parte da subjetividade. Para exemplificar o que Sartre quis dizer, ele utiliza-se da análise de um objeto: o corta papel. Todos os objetos são fabricados por algo ou alguém e com um projetista, isso é fato. Podemos afirmar que na mente do artífice (artesão) existe um conceito prévio antes da fabricação do cortador de papel, por exemplo. Os objetos funcionam assim: primeiro existem em essência para de fato existirem na realidade. Em outras palavras, temos primeiramente o conceito e depois a aplicação e existência concreta daquilo. Então, tais objetos já vem com um propósito e sentido de aplicação que os guiam e nunca poderão subtrair-se desses propósitos pré-definidos pelo artesão.
Em resposta as críticas dos religiosos, Sartre faz uma comparação de Deus com o artífice do corta-papel. Deus, na sua perspectiva, é um artífice superior que em sua mente tem um conceito modelado e estabelecido de homem. Então, o homem individual segue tal modelo pré-determinado e somente será homem se estiver de acordo. Em seguida, nosso pensador pondera:
"O existencialismo ateu que eu represento é mais coerente. Ele declara que, mesmo que Deus não exista, há ao menos um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito, e que tal ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana"(SARTRE, 2014, p. 19).
Em síntese, ele afirma que no existencialismo o homem é tratado com outra pespectiva. A existência sempre precede a essência, ou seja, primeiro o homem existe para depois somente ser definido. É como se o homem fosse realmente uma folha em branco ao existir e que escreve em si mesmo, com o passar do tempo e das ações. Nesse viés, o homem inicialmente não é nada, pois não é definido por um conceito prévio e afirmar isso fermentou algumas críticas. Em seguida, Sartre afirma a positividade de sua doutrina, pois ela fornece a possibilidade de escolha para o ser humano, coisa que não ocorre com o essencialismo visto que nele tudo encontra-se previamente estabelecido. O homem é o único projeto que se auto-governa e torna-se aquilo que quiser ser. Ele nada é além do que ele próprio se faz, isso revela que o homem tem mais dignidade no existencialismo do que qualquer objeto fabricado, pois ele tem escolha.
Outrossim, dizer que o homem torna-se o que ele quiser ser gera uma consequência importante. Se ele realmente é o que escolheu ser, significa também que é inteiramente responsável por sua existência. Nesse viés, precisamos relembrar que a subjetividade é o ponto inicial da construção e que todos homens estão limitados à ela. Em outras palavras, definir minha subjetividade através das minhas escolhas individuais também é influenciar a subjetividade alheia e por isso que quando o homem escolhe por si, além de moldar-se, influência toda a humanidade a moldar-se de tal modo também. A subjetividade pode ser definida como escolha individual, pois é o que constrói o homem, por isso Sartre afirma que o ponto inicial é ela. Se todos estão limitados por tal escolha, escolher algo significa desembocar em uma influência, mesmo que pequena, na escolha "individual" do outro. Por exemplo, se eu vejo uma atitude machista na sociedade e não procuro confronta-la, além de definir à mim mesmo como cúmplice passivo em tal ato definirei também toda a humanidade que se espelhará igualmente em tal escolha e decisão de simplesmente não fazer nada. Por isso, quando escolho por mim mesmo (subjetividade individual), escolho por toda humanidade (subjetividade coletiva). Todas as minhas ações ecoam pela humanidade, mesmo que de forma imperceptível.
Em seguida, nosso pensador introduz alguns conceitos derivados das consequências dos princípios e fundamentos acima, a saber: angústia, desamparo e desespero. O que significa cada uma? Para Sartre e os existencialistas, o homem é angústia. Sem dúvida, afirma que é uma angústia simples que foi gerada pelo elevado grau de responsabilidades. Ele afirma que todos que tiveram alguma responsabilidade em suas costas tem seu conhecimento. Em seguida, afirma o seguinte:
"E cada um deve se perguntar: sou eu mesmo o homem que tem o direito de agir de forma tal que a humanidade se oriente pelos meus atos?" (SARTRE, 2014, p. 22).
Conforme supramencionado, o homem não apenas define a si próprio, mas define todos os demais como se fosse uma espécie de "legislador" da humanidade. Por esse motivo, para o existencialista o homem é angústia. A partir do momento que ele percebe isso, fica extremamente "agoniado". Sartre nesse momento responde a uma das críticas que fizeram ao existencialismo anteriormente, tal crítica remonta a acusação de um certo "quietismo da doutrina". Nesse sentido, ele ressalta que essa angústia existencial não desemboca em um quietismo. Pelo contrário, motiva o homem ao agir, pois é somente através do engajamento positivo e de ações boas que pode-se aliviar tal carga. Em miúdos, mexa-se e seja um bom legislador. A angústia não separa o homem de agir, pois ela faz parte do próprio agir e tem origem nessa solidão de escolher sozinho alguma coisa.
Em seguida, trata acerca do desamparo. Sartre, como representante do existencialismo ateu, afirma que Deus não existe. Porém, considera tal ponderação extremamente incômoda, pois partindo do princípio de sua não existência e de que a essência não encontra-se a priori o homem, por conseguinte, vê-se desamparado. Não existem conceitos anteriores que possam guiar sua vida ou algo para agarrar-se, somente a escolha. Por isso, relata que o "homem é condenado a ser livre". Nesse viés, morre aqui mais uma acusação: de serem naturalistas. O Naturalismo é baseado no determinismo, mas por não ter nada anterior no pensamento existencialista, o homem tem posse da liberdade para ser quem deseja ser e tal crítica não justifica-se mais. Para melhor compreender o que foi exposto nesse parágrafo, observe o mapa mental:
Os atribuídos "conceitos" no nosso esquemático são puramente uma construção do homem a posteriori a sua existência no mundo. É ele que decidirá o que é bom, mal, justo, injusto etc. Sartre argumenta que até no ato de pedir um conselho, o homem já definiu o que vai mais ou menos ouvir, ou seja, tudo é consequência de sua liberdade de escolha. Nosso pensador ainda pondera que isto não é necessariamente um pessimismo, mas uma positividade um pouco dura e difícil de lidar. Adicionalmente, utiliza a comparação do covarde e do corajoso para compreender esse "pessimismo" atribuído. O covarde não nasce covarde por fatores anteriores ou determinismos, mas sim ele torna-se covarde pelos seus meros atos. Ele é TOTALMENTE responsável por ser assim. Sartre argumenta que as pessoas gostariam de que já nascessem os covardes e heróis previamente definidos, pois dessa forma seria mais fácil de lidar dizendo algo do tipo "É assim mesmo, não posso fazer nada". Nesse sentido, causar horror e temor a perspectiva existencialista. O despero, em si, é a junção da angústia e do desamparo. Nosso filósofo argumenta que o objetivo do existencialismo não é o desespero, mas sim uma maturidade existencial para conseguir lidar com todos esses fatores e seguir a vida.
Podemos, nesse ponto, reforçar o que ele expõe acerca da moral nos perguntando o seguinte: os valores são criados? Sartre argumenta:
"Antes de começarmos a viver, a vida, em si, não é nada, mas nos cabe dar-lhe sentido, e o valor da vida não é outra coisa senão este sentido que escolhemos" (SARTRE, 2014, p. 42).
Os valores são atribuídos a posteriori, mas não significa que o existencialista tudo pode e que não possua valores. A própria responsabilidade em sua totalidade é a resposta para tal dúvida. Nosso pensador, ao finalizar seu texto, pondera acerca do humanismo de sua corrente de pensamento. É uma forma de pensar humanista, pois não considera o homem como um fim voltado para si mesmo e o seu próprio culto (O que normalmente definem como humanismo) . Ele está sempre a fazer-se, não dando possibilidade para crer em um tipo de humanidade que deve ser cultuada, pois "o homem não encontra-se encerrado nele mesmo" (SARTRE, 2014, p. 43) - Esse é o verdadeiro humanismo de sua doutrina de pensamento. O homem é a resposta, mas essa resposta sempre está sendo construída e não encerra-se jamais nesse plano de subjetividade existencial. Para me despedir, deixo para o meu leitor uma reflexão com o seguinte fragmento:
"O homem precisa encontrar-se ele próprio e convencer-se de que nada poderá salvá-lo de si mesmo" (SARTRE, 2014, p. 44).
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Referências bibliográficas:
SARTRE, J-P. O Existencialismo é um Humanismo. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
Créditos das imagens utilizadas:
Imagem (1) : ver.
Imagem (2): ver.
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